Contadores
Os contadores (助数詞) têm a função de classificar o tipo de coisa que estamos contando. Em portugês, falamos coisas como:
- Comi duas fatias de pão.
- Vou comprar cem cabeças de gado.
- Quero beber um galão d’água.
- Li três volumes de Naruto.
Os contadores funcionam de forma parecida às palavras marcadas acima. No português (e no inglês!), os contadores são usados principalmente para coisas não contáveis, como líquidos, dinheiro etc. No japonês, entretanto, precisamos de contadores para quase tudo que formos contar, até mesmo coisas concretas e contáveis, como animais ou livros.
Não podemos falar simplesmente “adotei dois gatos”, precisamos falar algo como “adotei duas unidades de gato”, e usar o contador adequado para cada ocasião no lugar de “duas unidades de […]”. Existem contadores diferentes para várias coisas diferentes, e é importante que saibamos usá-los de forma apropriada. Para gatos, por exemplo, usamos o contador 匹 para animais pequenos. Para um elefante, usaríamos o contador 頭 de animais grandes. Usar o contador errado soa estranho, seria como dizer: “passei duas fatias de requeijão no pão”. Dá para entender, mas não soa muito natural.
Omitir o contador também soa estranho. Imagine alguém dizendo “tenho 4 dinheiros em casa”. A falta de contador deixa a frase ambígua. A pessoa tem quatro cédulas? Quatro moedas? Quatro tipos diferentes, como euro e dólar? Há também outro motivo para não os omitir: algumas palavras aceitam mais de um contador. Por exemplo, podemos usar tanto “fatias” quanto “unidades” quando estamos falando de pães, cada uma dando um sentido diferente à sentença:
- Comprei um pão, e por isso pude comer cinco fatias (de pão).
Imagine tentar contar a mesma coisa sem dizer “fatias”. Ficaria extremamente confuso, e a frase não faria sentido:
- Comprei um pão, e por isso pude comer cinco pães.
Como pôde a pessoa comer cinco pães, se ela só havia comprado um? Assim como temos uma palavra para fatias e unidades de pão, os japoneses têm os contadores 個 e 枚.
No dia a dia, usamos algumas dezenas de contadores comuns, como 人 (pessoas), 冊 (livros) e 話 (episódios). Também existem contadores genéricos, para quando você não tem certeza de qual usar, ou quando a palavra não tem nenhum contador específico. Nesses casos, usamos つ ou 個.
-
Comi duas fatias de pão
パンを2枚食べた -
Vou comprar cem cabeças de gado
肉牛を百頭購入する -
Quero beber um galão d’água
水を1ガロン飲みたい -
Li três volumes de Naruto
ナルトを3巻読んだ -
Adotei quatro unidades de gatos
4匹の猫を引き取りました
(O caractere を marca o objeto direto. の conecta o número ao substantivo.)
No entanto, perceba que temos alguns contadores obscuros no português. Temos “naco” para se referir a um pedaço de algo, e resma para falar de 500 folhas. O mesmo acontece com os contadores japoneses. Mesmo com apenas alguns poucos aparecendo no vocabulário cotidiano, existem centenas no total, muitos desconhecidos pela maioria da população.
Além dos contadores, há outro aspecto da língua japonesa pelo qual eu tenho me interessado ultimamente, o Gikun. No entanto, precisamos primeiro aprender rapidamente sobre o Furigana, uma ferramenta muito usada na escrita japonesa.
Furigana
Em textos japoneses, como em mangás, é comum encontrarmos texto lateral indicando a leitura de certo caractere ou palavra: isso é chamado de furigana. É comum principalmente em palavras mais difíceis e em obras para um público mais jovem. Vejamos um exemplo:
No balão, temos o caractere 下. Ele é um kanji, um caractere que carrega consigo um conceito ou ideia, diferente do nosso alfabeto fonético, onde as letras carregam sons. Imagine os kanji como placas de trânsito. Quando você olha para a placa de “proibido estacionar”, você não pensa no nome ou na pronúncia daquela placa, mas sim na ideia que aquela placa quer passar, que é de que você não pode estacionar naquele local. Os kanji funcionam de forma parecida, cada um transmite uma ideia diferente, e não necessariamente um som.
Isso dificulta a leitura, já que não há como saber como ele é lido sem conhecê-lo. Por isso, foi usada a letra お a seu lado, que faz parte do alfabeto fonético japonês, e indica o modo de leitura do 下 na frase. お não é um kanji, ele não representa nada além do som “O”. Sua única função como furigana é de mostrar como o kanji deve ser lido.
É uma ferramenta muito útil especialmente para quem ainda não tem tanto domínio da língua.
Gikun
Embora seja usado para indicar a leitura dos kanji, às vezes o furigana mostra uma leitura que não corresponde à do kanji. Esse fenômeno é chamado de Gikun (義訓). É uma técnica ampla que garante mais liberdade criativa ao autor.
Primeiro exemplo
Na história acima, temos uma personagem envolvida no mundo artístico. Ela menciona o clube de artes, 美術部 (びじゅつぶ, bijutsubu), mas a palavra usada é うち, que significa lar, casa. Isso mostra o quão envolvida ela é com o clube, a ponto de considerá-lo um lar.
Segundo exemplo
Vemos o caractere 家. Ele significa “casa”, e tem as leituras いえ/うち (mesma palavra que aparece no Gikun do exemplo anterior). No entanto, perceba que a leitura indicada é それ (aquilo), fazendo referência à casa que está logo ali.
Graças ao meu interesse nos contadores mais desconhecidos, e na vontade de explorar os Gikun, escrevi um texto de prática:
巻物語
Vamos estudar o texto e tentar entender os detalhes que seriam perdidos na tradução:
巻物語
- a junção de 卷物 (pergaminho) e 物語 (história, conto).
食糧は刻々無くなりつつありました。
O alimento estava acabando aos poucos.
- 食糧 (しょくりょう) significa algo como ração militar, comida. Seu furigana diz べにとう, o bentô japonês, que está mais perto da realidade do leitor.
- 刻々 (こっこく) significa “a cada momento”. seu furigana, しだいに, tem um significado parecido, “aos poucos”.
十五騎に十二笥許有り、駿等は歩き続けるのが辛しかった。
Havia cerca de doze porções para quinze cavaleiros, e, para os cavalos, continuar andando era penoso.
- O contador para cavaleiros é 騎 (き), mas está com a mesma leitura do contador comum para pessoas, 人 (にん).
- 笥 (け) é o contador para recipientes de comida, mas a leitura é do contador mais moderno こ.
- 許 (ばかり) significa “nada além de”. だけ tem um significado pareciso, mas mais neutro.
- 駿等 (しゅんら) se refere a cavalos rápidos, com o segundo kanji sendo uma forma mais pomposa para indicar plural. No furigana, temos うまたち, uma palavra mais simples para cavalo, e um plural mais comum. Essa leitura traz uma ideia de simplicidade.
- 辛しかった indica leitura むずしかった, que significa “difícil”. Porém, foi usado o kanji 辛 em vez de 難. 辛 significa sofrido, árduo.
大雨が降っていたから、直ぐに雨宿りを図っていた。
Como estava chovendo muito, buscaram se abrigar da chuva imediatamente.
- 雨宿りを図っていた tem uma construção interessante. Seu significado original é “buscaram se abrigar da chuva”, mas o furigana nos dá 避難所を探していた, que é traduzido como “procuraram abrigo”. O furigana garante duas frases em uma só, o que ajuda no contexto e na severidade. 避難所 (ひなんじょ) é um abrigo de emergência, e o furigana nos mostra que é disso que eles estavam atrás.
神々万柱と戦うの方が樂、その騎士らは思った。
_“Seria mais fácil lutar contra milhares de deuses”, pensaram os Cavaleiros.
- 樂 (らく) traz uma ideia de fácil, confortável, prazeroso. sua leitura é かんたん, que também significa fácil.
侍半分以上は死ぬ恐れが有る、棺五、六函は必要なり。それでも、心を確りと持ちていた、お使いは重要過ぎるから。
Há o risco de mais da metade dos samurais morrerem; cinco ou seis caixões seriam necessários. Mesmo assim, eles mantinham seus corações firmes, porque a tarefa era demasiado importante.
- 棺 pode ser lido tanto como ひつぎ quanto かん. ひつぎ é uma leitura mais comum e natural, então o furigana foi usado para especificar a leitura preferida.
- 函 (はこ) conta caixotes e caixões, mas a leitura é do contador こ, assim como 笥.
愛しい國を守る為に、天卷物七幅を王様に奉るのは大事な使命と知りたり。
Entregar sete pergaminhos celestiais ao rei era uma missão importante para a proteção da sua pátria amada, como eles bem sabiam.
- 大和 (やまと) É o nome tradicional do Japão, mas o furigana にほん indica o nome moderno e comum, Nihon.
- 天卷物 (てんまきもの) significa pergaminho celestial, e seu furigana きぼう diz esperança, mostrando o quão importante são.
- 奉る (たてまつる) é o ato de oferecer respeitosamente algo a alguém superior. a leitura あげる também significa “dar”, mas mais casual e simples.
- 使命 (しめい) é uma missão, mas sua leitura うんめい diz “destino”, “fado”. Ressalta a importância da missão.
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